Substância


A qualidade determinante da noção de substância, para os diferentes sistemas filosóficos, é, possivelmente, a persistência no tempo. Se para as filosofias materialistas a substância só se realiza no corpóreo, para o pensamento idealista ela às vezes se identifica com o próprio absoluto.

O termo substância provém do verbo latino substare, que significa "estar debaixo de". Mediante ele se faz alusão a um substrato último da realidade que permanece ou subsiste apesar de todas as mudanças fenomênicas. Neste sentido, portanto, a noção de substância foi por diversas vezes associada às de essência ou ser.

A filosofia grega empregou a mesma palavra - ousía - para definir o que mais tarde se traduziu ora como essência, ora como substância. Para Platão, a noção de permanência adequava-se às idéias ou arquétipos inteligíveis do mundo dos fenômenos. Aristóteles, posteriormente, distinguiu entre uma substância primeira, algo individual, irredutível e único, que se determina a si próprio e que poderia existir mesmo que não existisse outra coisa, cuja subsistência independe de qualquer qualificação que a ela se atribua. É, assim, o ser individual de um dado objeto, que não pode ser predicado de nenhum outro. Já a substância segunda, a essência universal desse mesmo objeto, é predicado de sua substância primeira. Desse modo, ao homem individual pode-se aplicar o nome "homem", pelo qual tal nome é alguma coisa que se afirma do homem individual. O homem individual é uma substância primeira, mas o nome "homem", não é. Essa distinção deu origem a uma discussão que dominou o pensamento filosófico por toda a Idade Média, a respeito da substância como ser, ou fundamento de toda a realidade, e as substâncias individuais.

No século XVII, contudo, a filosofia racionalista pôs de lado a aplicação do conceito de substância aos objetos particulares e passou a concebê-lo apenas como aquilo que não necessita senão de si mesmo para existir. De acordo com essa concepção, Descartes assinalou que, a rigor, o termo substância implica uma idéia de independência e infinitude que só pode ser atribuída a Deus, embora existissem também substâncias finitas, criadas pela providência divina. Ao rejeitar essa distinção, Spinoza postulou uma forma panteísta de racionalismo, com a afirmação de que só existe uma única e infinita substância, Deus ou a natureza -- Deus sive natura.

Leibniz, pelo contrário, destacou a pluralidade de substâncias individuais e seu caráter dinâmico: para ele, substância é todo ser dotado de energia para agir. De uma perspectiva totalmente oposta, os empiristas britânicos refutaram a idéia de substância ao julgá-la meramente abstrata e indemonstrável, uma vez que o conhecimento humano só tem acesso aos fenômenos.

No fim do século XVIII, Kant afirmou a impossibilidade de resolver essa polêmica. Para ele, a substância deve ser considerada apenas como hipótese ou categoria conceitual necessária para o processo intelectivo do conhecimento humano, o que não implica sua existência real. No século XIX, Hegel afirmou que as categorias tradicionalmente contrapostas de substância e acidente são manifestações daquilo que chamou de "essência absoluta", que permeia toda a realidade. Para ele, a substância é a permanência manifesta em acidentes, os quais trazem em si a idéia de substancialidade.

A maior parte das doutrinas filosóficas posteriores evitou o emprego da noção de substância. Concepções científicas modernas, tais como a teoria da relatividade e a física quântica, originaram uma imagem do universo que tornava estéril a distinção entre o "permanente" e o "mutável". Qualquer teoria, no entanto, que postule um elemento essencial da realidade, seja ele a vontade, o impulso vital, a energia, a matéria etc, do qual se originam manifestações ou funções, encontra-se em última análise inserida na problemática filosófica tradicional a respeito da substância.

     
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