Utopia


"Um mapa do mundo em que não aparece o país Utopia não merece ser guardado." Esta máxima de Oscar Wilde expressa o anseio permanente de criação de sociedade perfeita. Ideal irrealizável em sua plenitude, a utopia se materializa parcialmente, no entanto, graças ao progresso científico e tecnológico.

Utopia é toda proposta ideal de organização da sociedade em que, por meio de novas condições econômicas, políticas e sociais, se pretende alcançar um estado de satisfação geral. Nesse sentido, a utopia é a contrapartida para o futuro do mito de uma idade áurea, que teria existido em passado remoto. Comum a essas duas projeções é a oposição teórica às instituições sociais vigentes. Segundo Karl Mannheim, autor de Ideologie und Utopie (1929; Ideologia e utopia), "utopias são idéias inspiradoras das classes em rebelião e ascensão, em oposição às ideologias que racionalizam e estratificam o pensamento das classes dominantes".

A palavra "utopia", que em grego significa "em lugar nenhum", foi usada por Thomas More para designar a ilha imaginária descrita na obra De optimo reipublicae statu, deque nova insula Utopia (1516; Sobre o melhor estado de uma república e sobre a nova ilha Utopia). More faz severas críticas à sociedade inglesa e européia, ao mesmo tempo que apresenta a ilha de Utopia como um lugar em que a sabedoria e a felicidade do povo decorrem de um sistema social, legal e político perfeito, guiado pela razão. A Utopia fez muito sucesso na época e tornou-se modelo de todas as concepções posteriores do gênero.

A mais famosa utopia da antiguidade é a República, de Platão, em que o governo de um estado totalitário e parcialmente comunitário é confiado a filósofos. A mais radical, com traços socializantes, é do filósofo estóico Caio Blóssio, autor de Reino do Sol. Dentre as utopias posteriores à obra de Thomas More destacam-se as obras Cidade do Sol (1602), de Tommaso Campanella, em que esboça uma espécie de utopia à maneira platônica, e Nova Atlantis (1627), de Francis Bacon, em que ficam evidentes suas esperanças utópicas no futuro progresso da ciência.

Com o advento da revolução industrial, que a partir do fim do século XVIII contrapôs o progresso tecnológico à miséria amplos setores da população, surgiram vários projetos de reorganização da sociedade. A mais célebre utopia da primeira metade do século XIX foi a de Charles Fourier, cujas idéias encontraram adeptos na França e inspiraram reivindicações dos revolucionários de 1848. Os sonhos libertários de Fourier estão na obra Le Nouveau Monde industriel e sociétaire (1829; O novo mundo industrial e societário), na qual propõe a abolição da sociedade burguesa e sua substituição por "falanstérios", comunidades de organização ideal que excluíam a propriedade privada e a rígida divisão do trabalho, ao mesmo tempo em que admitia o amor livre e a dissolução dos laços familiares.

O utopista inglês Robert Owen, depois de dissipar sua fortuna na tentativa de assentar na América colônias fundadas no modelo comunitário, regressou ao Reino Unido e se pôs à frente de uma rede de cooperativas, depois de um sistema de bolsas de trabalho e, por fim, em 1834, de uma vasta união sindical. Pierre-Joseph Proudhon, no meado do século XIX, expôs na França seu projeto de uma sociedade mundial federalista, sem fronteiras nem estados nacionais, descentralizada em comunas e governada por autogestão.

Grupos políticos e religiosos tentaram pôr em prática outros projetos utópicos. Étienne Cabet, autor de Voyage en Icarie (1840; Viagem a Icária), tentou sem sucesso a fundação de colônias nos Estados Unidos, na época o país da liberdade e das possibilidades ilimitadas. Alguns de seus adeptos e outros utopistas fundaram, entre 1830 e 1860, várias colônias americanas, mas todas elas malograram. Por volta de 1860, o utopismo parecia desacreditado e o próprio termo "utopia" adquiriu a acepção pejorativa de sonho irrealizável, mas foi cultivado por adeptos de Bakunin e outros anarquistas. O grande adversário de todas as concepções utópicas foi Karl Marx, que refutou as idéias de Fourier e seus discípulos e substituiu o socialismo utópico pelo socialismo científico.

Socialistas não-marxistas nunca hesitaram em desenvolver sistemas utópicos. Nesse grupo inclui o poeta inglês William Morris, cujo livro News From Nowhere (1891; Notícias de parte alguma), renova a tradição iniciada por More na Utopia. Quase ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, Edward Bellamy escreveu Looking Backward (1888; Olhando para trás), romance utópico de grande sucesso. Encontram-se traços do pensamento utópico tanto nos movimentos socialista e anarquista quanto em algumas realizações sociais, como na fundação dos kibutzim em Israel. A utopia renasceu na década de 1960, nos movimentos socialistas dos estudantes europeus e americanos inspirados nas teorias de Herbert Marcuse.

O surgimento dos estados totalitários e o avanço da técnica no século XX produziram as antiutopias, isto é, a projeção de um mundo futuro opressor que leva à mais absoluta desesperança. Entre os precursores da antiutopia destacam-se Jonathan Swift, com Gulliver's Travels (1726; Viagens de Gulliver), e Samuel Butler, que em 1872 publicou o romance fantástico Erewhon (anagrama de nowhere, "em parte alguma"). Entre as antiutopias contemporâneas figuram Brave New World (1932; Admirável mundo novo), de Aldous Huxley, e Nineteen Eighty-Four (1949; 1984), de George Orwell.

     
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