Søren Kierkegaard
Søren Aabye Kierkegaard nasceu em Copenhague, Dinamarca, em 5 de maio de 1813. Filho de um homem torturado por dúvidas religiosas, cresceu em ambiente propício a graves complexos e, talvez, com problemas de saúde. Entre 1830 e 1840 estudou teologia na Universidade de Copenhague, e licenciou-se com a tese Om begrebet ironi (1841; Sobre o conceito de ironia). Nunca, porém, quis ordenar-se ministro da Igreja Luterana. Com a morte do pai em 1838, herdou grande fortuna, que lhe permitiu dedicar-se apenas aos estudos. Em setembro de 1840 ficou noivo de Regine Olsen, mas um ano depois desfez o compromisso. Ouviu em Berlim, em 1841-1842, as últimas aulas de Friedrich Schelling, que o fortaleceram em sua resistência contra a filosofia de Hegel, dominante na Dinamarca da época. Desde então viveu confortavelmente e editando seus numerosos livros por conta própria. A série que publicou entre 1843 e 1846, mistura estranha de tratados filosóficos, novelas, diários, crítica de música, compreende obras sempre assinadas por pseudônimos: assinado por Victor Eremita é Enten-eller, et livs-fragment (1843; Ou isto ou aquilo, um fragmento de vida), obra de que constam o famoso Forförens dagbog (Diário de um sedutor), relativo a seu noivado, e uma digressão sobre o Don Giovanni de Mozart; Frygt og baeven (1843; Medo e tremor), por Johannes de Silentio; Philosophiske smuler (1844; Fragmentos filosóficos), por Johannes Climacus; Begrebet angest (1844; O conceito de angústia), por Virgilius Hafniensis (de extraordinária agudeza de percepção, esta é provavelmente a primeira obra de psicologia profunda, capaz de definir, muito antes da psicanálise, o significado e sentido da ansiedade; Stadier paa livets vej (1845; Fases no caminho da vida) é assinado por Hilarius Bogbinder; Afsluttende uvidenskabelig efterskrift (1846; Epílogo definitivo não-científico), por Johannes Climacus. Kierkegaard distingue três fases ou atitudes em face da vida, a estética, a ética e a religiosa, entre as quais não há mediação, como na dialética de Hegel, nem transição, no sentido evolutivo. Para passar de uma fase à outra, é preciso dar o salto, que transforma inteiramente a existência e tem o sentido de conversão instantânea, ou iluminação. Para Kierkegaard, existem contradições insolúveis entre o cristianismo e o mundo, e o homem tem de escolher entre duas alternativas (enten-eller): ser cristão ou ser não-cristão. O filósofo observou que a Igreja Luterana oficial da Dinamarca, como as demais igrejas institucionalizadas, não fazia uma escolha existencial: seus pastores repetiam as palavras do Novo Testamento, mas levavam vida de burgueses tranqüilos, longe do martírio exigido pela fé cristã; não eram "testemunhas da verdade". Os ataques à igreja começaram com Sygdommen til döden (1849; A doença para a morte) e intensificaram-se em Indövelse i Christendom (11200; Exercício para ser cristão). Kierkegaard rejeitou a educação cristã como mero decorar de fórmulas dogmáticas, insistindo que a imitação de Cristo impunha sofrimento. Rejeitou também o batismo das crianças e a participação no culto dominical. Às 95 teses de Lutero, opôs a de que o cristianismo verdadeiro não existia em sua época. Suas últimas atitudes acabaram por ter grande repercussão nos países escandinavos, especialmente na Dinamarca e na Noruega. Formaram-se seitas. Ibsen dramatizou a "exigência absoluta" de Kierkegaard em Brand (1865). A seguir, o pensador dinamarquês caiu em longo esquecimento, para voltar à ordem do dia nas primeiras décadas do século XX. Sua atitude antimoderna, seu protesto contra a civilização atual, foi lembrada por alguns inconformistas isolados, como o espanhol Miguel de Unamuno e o satírico vienense Karl Kraus. Kierkegaard, após um ataque de paralisia, morreu em Copenhague em 11 de novembro de 1855. |