Teologia como Antropologia


O ideal de objetividade e a compreensão da mente como simples cópia do real vêm sendo abalados no período contemporâneo. Para a psicanálise, o vasto campo das representações simbólicas inconscientes não pode ser compreendido segundo a lógica empirista que confere verdade aos símbolos em função de sua correspondência a conteúdos sensíveis objetivos: os sonhos não podem ser interpretados segundo essa lógica, porque os símbolos, ao contrário dos signos que simplesmente apontam para certos objetos da experiência consciente, são maneiras pelas quais o homem representa para si mesmo as relações vividas de forma inconsciente com o mundo.

A partir de Kierkegaard, o existencialismo muito contribuiu para mostrar que a consciência, longe de ser algo semelhante a uma câmara fotográfica que copia "o que" lhe é dado, revela também o "como" de sua relação existencial com a realidade. Mesmo para a ciência, a maneira de ver objetivamente é condicionada pelas atitudes valorativas que se encontram no próprio início da vida consciente. O homem, assim, não pode ver o mundo de forma desinteressada; sua visão é determinada por sua vida mental, que gira em torno de uma matriz emocional.

Essa mudança de perspectiva tornou possível a recuperação do símbolo Deus como algo carregado de significação. Não mais como signo que aponta para um objeto que transcende a experiência, passou-se a ver nele um símbolo cujo conteúdo é a própria condição do homem. O estudo do significado de Deus em nada difere da interpretação dos sonhos. Como sugeriu Feuerbach em Das Wesen des Christentums (1841; A essência do cristianismo), Deus é o diário secreto em que o homem coloca suas mais altas idéias sobre si mesmo. O segredo da teologia é a antropologia, porque teologia é uma forma simbólica, projetada, pela qual o homem fala sobre si mesmo.

Friedrich Schleiermacher já havia chegado a uma conclusão semelhante em Der christliche Glaube (1821-1822; A fé cristã), ao afirmar que o símbolo Deus não se refere a um objeto, mas antes a uma forma de sentimento: "Estar em relação com Deus é o mesmo que a consciência de absoluta dependência." O mesmo critério antropológico é ainda encontrado em Paul Tillich, quando identifica Deus com a preocupação última do homem, e em Rudolph Bultmann, quando afirma que cada afirmação sobre Deus é, ao mesmo tempo, uma afirmação a respeito do homem e vice-versa.

Esse critério, no entanto, implica total subjetivismo. Como Rudolf Otto observa em sua fenomenologia do divino, em Das Heilige (1917; O sacro), a consciência tem sempre um ponto objetivo de referência. A consciência não existe em si, mas é sempre uma forma de relação: "consciência de". A consciência de Deus, portanto, se é essencialmente um fato antropológico, não pode confundir-se com uma produção ou ilusão da consciência. Deus é o nome de uma relação realmente vivida.

Veja também:
Argumento Ontológico
Morte de Deus
Ressurgimento da Metafísica
Tradição Científico-Tecnológica
Tradição Hebraica

     
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