Relações


As línguas não somente modificam-se por si mesmas, pois são sistemas sujeitos a desgastes, como também sofrem ações recíprocas, às vezes substanciais. Não se trata apenas de sua formação, que pode dever-se a duas ou mais línguas, como no caso do inglês e do persa. Depois de formadas, elas continuam a ter ação umas sobre as outras. Quanto maior for a área geográfica por que se divulguem, tanto maiores são as relações observáveis. Tais relações são sempre perceptíveis, não importa o grau de cultura dos povos que as falem. A cultura de um povo pode fazer sua língua influente, ainda que as influências sejam quase restritas ao vocabulário.

No caso particular do português, com sua enorme área geográfica de expansão, registrem-se alguns dados:


(1) o vocabulário vernáculo fundamental é constituído de palavras correntes, palavras cristãs (gregas, latinas e semíticas, com sentido especial), palavras germânicas introduzidas pelos bárbaros, e palavras árabes;
(2) a esse caudal se devem juntar palavras das línguas primitivas, deixadas como substratos, faladas nas mesmas áreas geográficas: dialetos ibéricos, celtas e até gregos;
(3) palavras de outras línguas praticadas nas mesmas áreas geográficas ocupadas, como as do tupi-guarani adotadas no Brasil;
(4) palavras tomadas das línguas fronteiriças, como o castelhano e o galego;
(5) palavras de cultura provenientes do latim culto, do grego, do francês, do inglês, do italiano etc.

O vocabulário vernáculo fundamental é mínimo, comparado numericamente ao de cultura. Se este está em torno de umas cem mil palavras, aquele tem por volta de cinco mil. O vernáculo, contudo, tem sido o modelo, a norma afeiçoadora da língua. A tal ponto isso é verdade que o homem do povo, sem estudo particular, não se sente capacitado para distinguir entre o que é originário e o que foi adquirido. Ele não dirá que na frase que se segue todos os substantivos, epítetos e verbos são elementos adquiridos mais ou menos recentemente: "No amplo chalé a senhorita valsava, enquanto no jirau o tenor lanchava seu chá exótico." De fato, "amplo" é o latim amplus (correspondente ao português "ancho"); "chalé" é o francês chalet; "senhorita" é o castelhano señorita; "valsava", derivado de "valsa", é o alemão walzer; "jirau" procede do tupi; "tenor" é o italiano tenore; "lanchava", oriundo de "lanche", é o inglês lunch; "chá" é o vocábulo chinês; e "exótico" é o grego exotikós. Quem tiver de classificar esta colcha de retalhos não hesitará um instante em dizer que se trata de um trecho em português. Existe aliás um vocabulário internacional em que, com leves modificações idiomáticas, se entendem os literatos, sábios, filósofos e políticos de grande parte da Europa e da América, desde que falem línguas latinas ou o inglês.

Veja também:
Aquisição
Articulação
Estrutura
Evolução
Linguagem e Concepção do Mundo
Línguas
Origem

     
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